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Justiça e direitos humanos

 
8 maio 2020   |   , ,
 
Por Antonio Amato

Recebemos uma carta de Antonio Amato, funcionário do Serviço Social junto à Secretaria de Execução Penal Externa de Bolonha. Nos últimos vinte anos, em particular, o dr. Amato dedicou-se a sanções e medidas comunitárias alternativas às sentenças de prisão; ele se aposentou há algumas semanas. Inicialmente, pode parecer que sua carta é uma denúncia sobre a situação nas prisões italianas. Na realidade, não é assim; existe isso, mas muito mais: existe a conscientização de uma ferida aberta na sociedade e um pedido, dirigido aos jovens, mas idealmente também a todos, para refinar uma sensibilidade que permita assumir juntos um drama que envolve muitas pessoas no mundo inteiro. #Intimeforpeace… também é isso.

Meu nome é Antonio Amato (…) e gostaria de tentar lhes dizer algo sobre o tema da justiça e dos direitos humanos, extraindo-o sobretudo da minha experiência profissional adquirida em 40 anos de serviço.

Uma premissa

É algo muito mais precioso do que o ouro, mas também é o ideal mais inalcançável de todos”, disse Sócrates sobre justiça. E Gustavo Zagrebelski[1] se lembra dela como uma “palavra sombria”. Mas, afinal, todas as grandes questões da vida são expressas em palavras que estão longe de serem unívocas. (…)

Por isso, só poderíamos nos limitar a simples considerações, simples pensamentos…

A execução da sentença na Itália

Para falar sobre a execução da sentença e da prisão, é necessário se referir ao art. 27 da Constituição italiana, que recorda que “as penas não podem consistir em tratamentos contrários ao senso de humanidade e devem tender à reeducação”. A finalidade educativa da sentença deve refletir-se adequadamente em toda a legislação. Mas quantas são e quem são as pessoas detidas nos 189 cárceres italianos? E o quanto o atual sistema penitenciário italiano – já condenado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos por tratamento desumano e degradante (ver superlotação das instituições prisionais) – está distante das conotações e da tarefa atribuídas à penalidade pela Constituição? O quanto é capaz de garantir a eficácia dos direitos relacionados à manutenção das relações com o mundo exterior, do direito ao trabalho, à boa saúde, à educação, à esfera religiosa, dos direitos políticos?

As pessoas na prisão

As pessoas condenadas na Itália, assim como em outros países e em particular nos Estados Unidos, pertencem na maior parte à categoria da população de risco: viciados em drogas, doentes mentais, imigrantes, pessoas com modestos recursos econômicos, sociais e culturais, com dificuldade em ingressar no mercado de trabalho, com privações afetivas e relacionais. Apenas uma porcentagem muito pequena delas fez a escolha de um estilo de vida delinquente e de marginalidade, ou seja, faz parte do chamado “crime organizado”.

Quando chegam aos nossos escritórios, para o final da pena ou para concessão de uma medida alternativa à detenção, essas pessoas apresentam dificuldade de autonomia, autodeterminação, comunicação e relacionamento, em vários níveis, com um coeficiente muito baixo de tolerância às frustrações, que as levam a viver com grande dificuldade até mesmo em atividades normais, como trabalho, relacionamentos, como uma simples entrevista.

Mas o que é a prisão? Muitos observadores a definem como um grande caldeirão de pobreza, como um aterro social. A prisão, na verdade, lança sombras sobre como a sociedade lida com seus problemas sociais: é suficiente prender os culpados e esquecê-los. Mas até quando? E com quais gastos com pessoal e instalações?

A Constituição italiana diz que a pena deve ter como objetivo a reintegração social das pessoas, mas para metade dos prisioneiros a reintegração social não está prevista. Não está prevista porque são pessoas sem comprovante de situação cadastral, sem residência, sem trabalho e, portanto, não podem ter acesso a medidas alternativas à detenção nem podem ser reintegradas socialmente no momento da libertação. É um modelo que gera frustração para quem a vive e também para quem a aplica.

Na verdade, um dirigente da administração penitenciária afirma que a prisão está enfrentando um problema dramático em nossa sociedade: desigualdades crescentes. A superlotação nas prisões é um sinal de que a sociedade está escolhendo a prisão como resposta a problemas de desigualdade social, a qual, ao invés, deveria ser enfrentada com a redistribuição de recursos e equidade social. Em vez de gerenciar um problema, ele é deixado de lado usando o sistema penal e, de fato, onde há uma redução nos gastos sociais, sempre há um aumento nos custos médicos e prisionais; portanto, os problemas são medicados ou aprisionados.

Conclusões

Vivemos tempos tumultuados, difíceis, nos quais reina o extremismo das emoções e, se quisermos encontrar pontos de conexão, não devemos buscar utopias, justiça absoluta, mas nos contentarmos, neste momento que estamos vivendo, com a rejeição da injustiça radical. E já seria um ótimo resultado.

A prática de um crime dá origem ao dever do culpado de pagar sua dívida com a sociedade. Creio que a prisão não é a maneira mais eficaz de liquidar essa dívida: 70% dos libertados da prisão por sentenças concluídas cometem novos crimes, e os custos diários de detenção são elevados, de 130 a 140 euros por dia para cada prisioneiro; os economistas liberais estavam certos: “Excesso de prisão mata a prisão”.

O cárcere não é, portanto, um simples escudo contra a delinquência, mas uma faca de dois gumes.

Estou convicto de que conversar especialmente com vocês, jovens, sobre essas questões, compartilhar o fato de que a realidade é complexa e não permite separar o bem do mal de uma forma simples e nítida, que existe uma linha sutil entre legalidade e ilegalidade, contribui para reforçar a sensibilidade de vocês, enriquecer seus sentimentos, sua experiência, o que será útil para viver melhor com os outros e enfrentar a vida quando ela se apresentar em seu ponto mais obscuro e sombrio.

Podemos nos acercar do mal pode para entender e aprender, mantendo a distância justa no julgamento, o que significa saber exatamente como aceitar que existam pessoas e histórias pesadas, que, no entanto, podem nos ensinar alguma coisa.

Gostaria de concluir esta breve reflexão com as palavras do poeta caribenho Aimé Cesarie: “E sobretudo, meu corpo, e você também, minha alma, tomem cuidado para não cruzar os braços na atitude estéril do espectador, porque a vida não é um espetáculo, porque um oceano de dor não é um proscênio, porque um homem que geme e grita não é um urso que dança”.

Bolonha, 26 de abril de 2020
Antonio Amato

[1] Gustavo Zagrebelsky (San Germano Ghisone, Turim, 1943) é um jurista e acadêmico, ex-presidente do Tribunal Constitucional Italiano.


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