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Dos grafites à hospitalidade: a revolução de Lecce

 
22 outubro 2021   |   , ,
 

“A beleza salvará o mundo”. É realmente oportuno repetir esta máxima de Dostoevskij para relatar as iniciativas de revitalização do bairro “Stadio” da cidade de Lecce, no sul da Itália.

Vocês conhecem aquele conceito “até o olho quer a sua parte”? Neste caso que estamos para lhes contar, na minha opinião, tem tudo a ver.

E o caso que vamos contar diz respeito a uma cidade italiana, Lecce, no extremo sul da Apúlia, centro cultural do território peninsular de Salento. Conhecida como “a Florença do Sul”, Lecce sabe como surpreender e fascinar turistas e visitantes pelo seu barroco muito original e delicado ao mesmo tempo.

No entanto, desde que conheci Tina D’Oronzo e padre Gerardo Ippolito, posso dizer que a admiração vai mais além da reconhecida beleza de uma cidade: em Lecce há uma história composta de muitas histórias, as quais formam um entrelaçamento barroco que não fala apenas de beleza, mas também de vida, de relacionamentos, de renascimento.

«Estou aqui há 10 anos» – diz padre Gerardo, pároco da paróquia de San Giovanni Battista: o bairro é o “167 B”, ou bairro Stadio, surgido nos anos 70 e favorecido pela opção de construções populares que logo transformaram o bairro em um dormitório, onde hoje existem muitas famílias e pessoas sozinhas que vivem de bico, onde os jovens não têm trabalho. Resumindo, nada a ver com a Lecce de capa de revista que os turistas conhecem.

«Nos últimos anos, o “Stadio” se tornou um bairro difícil devido à falta de serviços sociais, de trabalho, com o incremento da micro e macrodelinquência, que tem levado os jovens a não poderem mais sair à noite. A situação piorou no final da década de 1970, quando o Estado quis celebrar aqui o julgamento da Sacra Corona Unita, uma organização criminosa italiana com conotação mafiosa, que tem seu centro justamente na região da Apúlia. Este processo bloqueou todo o desenvolvimento do bairro e ainda hoje, ao andar pela rua, não se vê nenhum bar, mas nem mesmo uma loja».

Hoje, porém, ao caminhar pelas ruas do bairro também é possível perceber outra coisa, que está atraindo por aqui visitantes, turistas e curiosos. São gigantescas obras de arte, os grafites, pintados nas fachadas dos edifícios outrora escuros e cinzentos, que não só estão remodelando o bairro, mas causando uma verdadeira revolução social em nome da fraternidade.

«A ideia inicial foi tornar o muro do oratório mais alegre e colorido: daí surgiu a ideia do primeiro grafite, que também encontrou o apreço do povo. O interessante é que os jovens não o picharam nem sujaram, como costuma acontecer, e isso nos fez entender que poderíamos continuar…».

Lentamente, graças ao “boca a boca” e aos jovens grafiteiros presentes na região, chegaram artistas de várias partes do mundo para dar beleza aos edifícios do bairro Stadio e, com eles, fotógrafos, turistas, vereadores.

«O bom é que o trabalho artístico é fruto de uma fraternidade que se criou entre os artistas e os moradores do bairro. Aqui, os únicos centros de agregação são a paróquia e a escola do ensino médio. Assim, foi natural que as famílias da paróquia passassem a cuidar desses artistas: as senhoras cozinhavam para eles, alguns moradores do edifício onde eles estavam trabalhando levavam-lhes café, os pasticciotti (uma sobremesa típica da região), organizaram juntos um dia na praia… Enfim, criaram-se laços muito fortes, uma fraternidade espontânea que fez bem a todos».

A confirmação mais imediata de tudo o que o padre Gerardo diz é saber que muitos desses artistas foram embora com lágrimas nos olhos, porque se sentiram parte de um projeto real de ajuda aos mais fracos e parte de uma grande família alargada.

Outra confirmação vem da Tina D’Oronzo, testemunha de uma das várias iniciativas existentes nesta cidade. Na verdade, Tina é uma pioneira da Comunidade Chiara Luce, que tem muito a ver com o trabalho do padre Gerardo.

«O aspecto mais visível da atuação de toda a paróquia são os grafites, mas se olharmos bem» – diz a Tina – «eles são apenas parte de um trabalho muito mais amplo, que visa antes de tudo à requalificação da vida das pessoas a partir de uma relação de fraternidade. Foi neste contexto que nasceu a Comunidade Chiara Luce, que pretende contribuir para a regeneração do tecido social a partir das periferias, de todas as periferias, acolhendo mães com suas crianças e menores abandonados. Na realidade, para ser mais precisa, primeiramente nasceu a Associação Chiara Luce e depois a Comunidade, e ambas são fruto da experiência de um grupo de pessoas, as quais já são amigas e ligadas, aqui em Lecce, por um ideal comum que é o de um mundo mais unido».

Em virtude desses valores, os iniciadores se autofinanciam, adiando até mesmo despesas importantes da família, arriscando suas finanças… «Mas nunca nos arrependemos desta escolha, mesmo nos momentos mais difíceis».

Hoje a comunidade trabalha muito para acolher os menores, é verdade, mas também para curar muitas feridas existenciais. «O nosso lema é “onde há dor ali há um espaço para doar, há um espaço para nós”».

O círculo se alarga porque tanto a paróquia como a Associação são espaços abertos à colaboração com outras realidades que fazem a diferença no território em termos de atenção a quem sofre. Então, a conexão se torna natural. A ocasião, por exemplo, é a “mesa mais bonita do mundo”, como é chamada, na qual a paróquia e a Associação trabalham lado a lado.

Tina continua: «É verdade, é considerada a mesa mais bonita do mundo porque nós, ao lado do padre Gerardo, não oferecemos refeições a quem não as pode pagar. Nós almoçamos com essas pessoas, partilhamos uma relação, comemos juntos e isso significa dar beleza. Às vezes aconteceu de virem pessoas que não comiam nada, só precisavam estar em companhia, serem ouvidas ou sentir o carinho».

Certamente o objetivo não é assistencial, mas, por meio da partilha cotidiana, é alcançar uma certa independência: que seja econômica e existencial. Isto contribuiu para a abertura de um ateliê de costura que emprega cinco mulheres que já podem levar comida para casa, mas também a abertura de uma fábrica de joias, com produção de prata e pedras semipreciosas, que se tornará uma oportunidade de formação profissional para os jovens que não têm muitas oportunidades.

Alguém pode até tê-los considerado meio loucos, mas a julgar pelos resultados, o caminho iniciado é o correto. Tina continua: «Certamente não foi fácil, mas a decisão de investir do próprio bolso também nos deu um impulso para partilhar com os mais necessitados os nossos recursos de tempo, de ideias, de vida».

«Além disso,» – continua padre Gerardo – «tudo isso é também uma oportunidade para trabalharmos ao lado de pessoas que talvez não compartilhem a fé, que nunca iriam à missa, mas acreditam na fraternidade e são portadoras de valores humanos extraordinários, que depois se concretizam no serviço aos outros. Aí talvez… quem não vem à missa envia os próprios filhos, e isso acontece porque o amor é a base de tudo».


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