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Workshop

A dança de Mitali

 
19 agosto 2020   |   , ,
 

Quando a dança se torna meio de encontro, de diálogo com o outro e de paz.

Para Mitali D’souza, a dança é um estilo de vida e também um instrumento de fraternidade. A dança “dela” tem raízes na fé e na tradição hindu: «Odissi é uma das oito danças clássicas indianas. É uma forma muito antiga, que remonta ao século II a.C., que só era executada em templos. Depois, lentamente saiu dali, e eu realmente tive muita sorte, porque conheci as pessoas que, por volta da década de 1950, a tiraram dos templos pela primeira vez, após a Independência da Índia. Foi quando, então, começou a se espalhar entre as massas».

A dança de Mitali, seu “estilo de vida”, é a dança “Odissi”, assim chamada porque nasceu no estado de Orissa, na costa leste da Índia. Mitali, que mora em Mumbai, dança desde os cinco ou seis anos, apoiada pela família, uma família de artistas: a mãe é cantora e o pai é músico. Embora em geral, em seu país, a dança não seja considerada uma profissão, Mitali lembra que sempre recebeu incentivo dos pais. Seu marido, Raul, também é bailarino, assim como suas duas filhas, Diya e Risa. «Tive muita sorte em conhecer o Raul, que apoia muito a minha profissão porque ele também é artista…», conta.

Raul, que é cristão, dança segundo outro estilo, o “Bharata Natyam”, recodificação contemporânea de uma dança litúrgica do final do século XIX. Assim, a vida familiar e profissional deles é um laboratório de diálogo original e diário. «Quando nos casamos, ambos estávamos em um bom nível e decidimos não combinar nossos estilos, não dançar juntos». Contudo, depois de um ano de casamento, por ocasião de um festival nos Estados Unidos, eles foram convidados pelos organizadores a dançarem juntos, para fazerem, diríamos, uma espécie de “pas de deux” [passo a dois]. «É como se duas línguas tivessem que se combinar de repente, sabe, e fizessem alguma coisa!», explica. Em seguida, Mitali e Raul se dirigiram a seus professores, a seus gurus, e juntos compuseram uma peça de cerca de três minutos: «Era a sequência de abertura de Shiva e Parvati quando se encontram, também conhecida como “Ardhanariswar”. Depois da nossa apresentação, muitas bênçãos e congratulações chegaram do auditório. Alguém até nos disse “por favor, continuem dançando juntos”».

Todo esse entusiasmo por parte do público levou Raul e Mitali a reconsiderar a possibilidade de transferir também para a dança aquele diálogo que caracteriza a vida familiar deles: «Não queríamos mostrar as diferenças do nosso estilo, mas queríamos mostrar que é possível se complementar mutuamente». Não só: «Às vezes, quando no palco percebemos que um de nós se enganou ou se esqueceu de alguma coisa… talvez seja porque existe essa química entre nós, porque somos marido e mulher, procuramos remediar o erro um do outro. Então, para nós, cada espetáculo é memorável! E o público sempre se entusiasma!».

Mitali também dirige uma escola de dança, na qual ensina alunos de todas as idades, desde crianças a idosos. «Antes, eu pensava que dançar era só para um determinado grupo de pessoas, de uma determinada idade. Mas ao longo do meu caminho, especialmente nos últimos três anos, conheci um grande número de pessoas que queriam aprender dança, então comecei a fazer experiências com os idosos, idosos com mais de setenta anos».

Tudo começou quando uma amiga a convidou para coreografar uma dança com pessoas idosas, por ocasião do Dia Mundial da Terceira Idade. Seus alunos executaram a sequência com um desempenho perfeito. Cerca de um mês depois, ela foi contatada por outra ONG. «Desta vez, todos os pacientes estavam em cadeiras de rodas! Eu não sabia o que poderia ensinar a eles. Coloquei a música e pedi que batessem palmas: ora para cima, ora para baixo, de lado, começaram a rodopiar, estalando os dedos, cruzando os braços… E se divertiram! Então o diretor me pediu para voltar». Terceira experiência: uma professora de ioga de cerca de oitenta anos, que mora em seu prédio, pediu que ela lhe ensinasse a dança Odissi e envolveu um grande grupo de pessoas da sua idade. «Hoje posso dizer com orgulho que tenho alunos com idades entre os cinco e os cem anos e mais, pois a avó da minha amiga acaba de fazer cem anos e foi uma das pessoas que participou de um workshop para idosos que realizei recentemente».

É bom ouvir Mitali. De suas histórias emerge toda a paixão e amor que ela sente por seus alunos e por sua profissão. Dá para intuir que não se trata apenas de técnica…

Na Índia, dizem que um bailarino é um mediador que transmite a mensagem de Deus ao público e aquilo que o público sente, a Deus.

A dança segundo Mitali tem três finalidades, resumidas na abordagem dos três “e”: «É um meio de educar, um meio de entreter (NdR: “entertain” em inglês) e um meio de iluminar (NdR: “enlighten” em inglês) as massas». E continua: «Na Índia, dizem que o bailarino é um mediador que transmite a mensagem de Deus ao público e aquilo que o público sente, a Deus”. E para explicar melhor, ela conta um episódio. «Eu deveria me apresentar em um espetáculo de dança logo após os ataques terroristas de novembro de 2008, em Mumbai. O local ficava em frente ao Oberoi-Trident Hotel, onde ocorreu um desses ataques. Apesar de tudo, a exibição não foi cancelada. E, no final da performance, uma senhora veio até mim, em prantos, e me disse: “Mitali, quero lhe dizer que hoje me senti no Paraíso”. Isso me tocou muito, pois se através de mim alguém pode experimentar o Paraíso, o que mais uma bailarina poderia querer?».

Veja o vídeo da entrevista completa com Mitali D’souza:

 


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