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Lorna Gold: “O Movimento Laudato Si’ é a emergência de uma nova maneira de ser”

Presidente del consiglio del Movimento Laudato Si
Executive Director of Laudato Si’ Movement

Lorna Gold, diretora executiva do Movimento Laudato Si’, reflete sobre os 10 anos da Encíclica. Ela analisa a ecologia integral como uma trajetória essencial para alcançar a unidade global e enfrentar a crise climática.

Lorna Gold é a diretora executiva do Movimento Laudato Si’, que organizou uma importante conferência em Castel Gandolfo (Itália), de 1 a 3 de outubro, por ocasião do 10º aniversário da Encíclica Laudato si’ do papa Francisco.
Sob o nomeRaising Hope for Climate Justice” (Aumentando a esperança na justiça climática), a conferência é promovida pelo Movimento Laudato Si’ em colaboração com vários parceiros eclesiais e institucionais. Participaram líderes do mundo da fé, dos movimentos, da ciência, da economia, do meio ambiente e da política. Eram 28, e todos juntos refletiram sobre o impacto da Encíclica e sobre as ações mais eficazes que podemos tomar agora.

International Conference "Raising Hope for Climate Justice"
International Conference “Raising Hope for Climate Justice”

Que desafio representa para você ser a diretora executiva do Movimento Laudato Si’? Que emoção lhe traz e que responsabilidade lhe impõe?

Para mim, ser nomeada diretora executiva do Movimento Laudato Si’ é a maior honra da minha vida, especialmente no mesmo ano em que o papa Francisco faleceu. No dia em que minha nomeação foi anunciada, em janeiro de 2025, tive a graça de um encontro em particular com o papa Francisco – um dos últimos encontros que ele realizou antes de ser internado no hospital, com pneumonia. Aquele encontro permanecerá comigo para sempre. Ele estava em ótima forma e brincou comigo sobre a Irlanda – “a ilha esmeralda” – e até me elogiou pelo meu italiano! Como fazia em todas as reuniões que tive com ele nos últimos anos, ele terminou apertando minha mão com força e dizendo, olhando-me nos olhos: “Vá em frente”. Agora, com a sua morte, é como se eu sentisse que ele pessoalmente está me encorajando, nessa função que me foi confiada, a levar adiante o seu legado. Sinto a presença dele comigo todos os dias.

A morte do papa Francisco representa um ponto de virada para o Movimento Laudato Si’ ou não necessariamente?

A morte do papa Francisco foi um momento muito significativo para o Movimento Laudato Si’. Papa Francisco tinha uma relação muito próxima conosco, oferecendo-nos muitas oportunidades de diálogo, encorajando-nos e orientando-nos. Sentimos essa perda de modo muito particular, pois ele, mais do que qualquer outra pessoa, incorporava o espírito do nosso Movimento. Foi com a bênção do papa Francisco, em 2021, que mudamos nosso nome de “Movimento Católico Global pelo Clima” para “Movimento Laudato Si’”. Em uma nota escrita à mão, em Pentecostes de 2021, ele nos confirmou: “Vocês são o Movimento Laudato Si’”. Para nós, isso significava um reconhecimento que o nosso movimento não era uma ONG católica do clima, mas uma realidade eclesial, o germe de algo mais parecido com um movimento do espírito inspirado pelo seu carisma. É claro que somos muito jovens – ainda não temos todas as validações de um movimento, como o Movimento dos Focolares ou outros –, mas essa frase do papa Francisco continua sendo nossa inspiração orientadora. Para nós, a transição para o papa Leão XIV, que leva adiante esse legado conosco, é um novo capítulo que nos enche de entusiasmo, enquanto buscamos entender com o papa Leão qual é o próximo chamado de Deus para o nosso movimento. Enquanto isso, mesmo se ainda sentimos falta do papa Francisco, sua intercessão é como um superpoder!

Que valor está contido nesses primeiros dez anos do Laudato Si’? Como começaram a mudar o mundo e que potencial esse movimento extraordinário tem para continuar a melhorá-lo ao longo do tempo?

Essa é uma grande questão. A primeira coisa a dizer é que ninguém tinha se proposto a criar um movimento. De forma semelhante à história do Movimento dos Focolares, o Movimento Laudato Si’ surgiu em um momento de profunda crise. Algumas pessoas, particularmente Tomas Insua e Christian Leano, comigo e com outros, sentiram um profundo chamado a responder a esse momento com fé. Quando soubemos que o papa Francisco estava escrevendo uma Encíclica, queríamos garantir que ela não caísse em ouvidos surdos. Tudo começou com um ato de amor ao papa Francisco! Decidimos fazer uma festa na Praça de São Pedro para anunciar a Encíclica. Depois disso, lançamos uma petição para a COP21, em Paris, e recolhemos um milhão de assinaturas. Depois disso, planejamos voltar aos nossos trabalhos. No entanto, estava claro que havia um desejo de continuar a trabalhar juntos. Esse foi o início do movimento.

Na última década, o movimento cresceu exponencialmente, por meio de iniciativas como a Plataforma de Ação Laudato Si’ em colaboração com o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral; o filme A Carta – Uma Mensagem para a Terra; o Treinamento de Animadores Laudato Si’, que já treinou 20 mil líderes locais. Promovemos anualmente o Tempo da Criação e a Semana Laudato Si’. Solicitamos corajosamente o fim dos investimentos em combustíveis fósseis e o apoio a um tratado de não proliferação de combustíveis fósseis. Graças a tudo isso, formou-se um movimento de base que entrelaça muitos movimentos, ordens, organizações e indivíduos em uma bela tapeçaria. Eleva toda a Criação em uma única melodia, Laudato Si’, mediante dezenas de milhares de ações diárias, grandes e pequenas.

Olhando para o futuro, esse movimento só continuará a crescer. Embora já sejamos muitos, estamos só no começo! Vejo o nosso movimento como parte do que a pensadora e ativista Joanna Macy (que também faleceu este ano) chamava de “a grande virada”. É o surgimento de uma nova maneira de ser, de uma nova consciência, que estamos construindo ao lado de muitos outros, no mundo secular e religioso. Esse surgimento exige que simplesmente abramos os nossos corações e as nossas mentes para trabalhar de forma colaborativa – de modo radical –, a fim de construir o futuro que queremos em nossas vidas.

Quão importante é que o mundo esteja unido, que não seja enfraquecido pelas divisões e ainda mais pelas guerras, para promover os princípios e objetivos da Laudato Si’?

O trabalho da Laudato Si’ e o trabalho para a unidade estão profundamente entrelaçados. É por isso que estou tão feliz com a crescente colaboração entre o Movimento dos Focolares e o Movimento Laudato Si’. Todos os recursos de que precisamos para enfrentar as questões ambientais e as injustiças estão ao nosso alcance, mas precisamos aprender a trabalhar juntos e a colaborar com maior foco e comprometimento. Isso requer uma profunda base espiritual de comunhão entre todos os aspectos do esforço humano, para os colocar ao serviço da humanidade e da criação no seu conjunto. Não vejo a hora de descobrir o que emergirá desses três dias intensos, que serão abençoados com a presença do papa Leão e de muitos líderes e membros da base do nosso movimento. Tenho certeza de que o Espírito Santo nos abençoará com aquilo que o papa Francisco chamava de “transbordamento” – a ação inesperada do Espírito que sentimos em nossos corações quando estamos em sintonia com o plano de Deus para a humanidade.

Quão forte, clara, inquestionável, no pensamento coletivo do mundo – após dez anos de trabalho do Movimento Laudato Si’ – é a consciência de que a toda crise ambiental corresponde uma crise social e econômica?

Eu creio que a consciência dessas conexões seja muito mais forte em relação a antes, mas ainda precisa crescer. Ainda existem grandes desconexões, sobretudo na forma como governamos nosso mundo e nas dinâmicas políticas em ação. Às vezes, até parece que somos esquizofrênicos: pensamos que temos que escolher entre enfrentar a crise climática ou manter uma economia estável. Achamos que seja uma escolha possível: concentrar-nos no clima ou concentrar-nos na economia. Na verdade, a crise climática e a crise ecológica mais ampla são simplesmente um modo de falar sobre “condições de vida seguras”: se não as enfrentarmos, todo o resto se tornará muito mais incerto e difícil. Precisamos de uma nova maneira de pensar sobre a economia para enfrentar a crise climática, e isso começa com a aceitação dos limites físicos da Terra, com base na ciência dos sistemas terrestres. Uma vez que aceitamos os nossos limites, podemos começar a imaginar um novo paradigma, mediante o qual devemos compartilhar os recursos que temos à disposição, de modo que todos possam ter uma a própria parte e voltar a viver dentro das nossas possibilidades. Muitos grupos já estão nessa direção – a Economia de Francisco, Doughnut Economy, la Well-being Economy, a Economia de Comunhão, la Regenerative Economics. Devemos unir esses pontos e trabalhar juntos para trazer essa nova maneira de ver e de agir para a esfera econômica no espaço público.

Ao mesmo tempo, precisamos influenciar a governança de nossa economia global e da política, para que espelhe os limites planetários. Essa é uma tarefa formidável, inclusive na era da polarização, da IA e da desinformação. Creio que agora deve ser esse o nosso maior desafio – é uma área que o papa Leão indicou como prioritária a ser enfrentada.

Quais são as maiores dificuldades em comunicar ao mundo que tudo está interligado, que seres humanos, plantas, economia e sociedade formam o mesmo ecossistema e são partes do mesmo todo?

Para mim, a maneira mais simples para comunicar tudo isso é voltar à natureza. Começar pela natureza e observar em silêncio como ela funciona. Ao examinar um ecossistema, veremos rapidamente que é um sistema: tudo é questão de equilíbrio, tudo diz respeito aos pontos críticos, aos limites. Uma pequena mudança, como o bater de asas de uma borboleta, pode ter um impacto muito distante. Se começarmos desde pequenos com uma educação ao ar livre, brincando ao ar livre, então educamos os nossos filhos a entenderem que eles são parte da natureza, que não são separados dela. Isso é fundamental. A coisa mais simples que podemos fazer para mudar os nossos processos mentais é estar ao ar livre!

Outra coisa simples que podemos fazer é dar voz, em nossas decisões, à Criação e às pessoas marginalizadas. Já vi isso ser feito até mesmo em organizações importantes, nas quais o conselho decidiu reservar um lugar à mesa para a Terra! Imaginem se houvesse um globo sentado em uma cadeira em todas as salas de reuniões? Imaginem se encontrássemos maneiras de trazer a Terra e todos os seus habitantes para todas as decisões diárias. Creio que isso transformaria o nosso modo de pensar mais do que milhares de páginas de análises! Elas também são necessárias, é claro, mas precisamos mudar o paradigma.

Em seu livro “Geração do Clima: Despertando o Futuro de Nossos Filhos” você procura apresentar a ciência e a crise climática de uma forma simples. É esse o desafio de continuar reforçando o tema no debate público e envolvendo mais pessoas?

Esse é um desafio, especialmente em uma era em que a ciência do clima está sendo questionada novamente como uma teoria, e não como um fato. Existem muitas agendas políticas difundindo desinformação, dizendo que a crise climática é uma farsa, apesar do fato de podermos ver as mudanças com os próprios olhos. Acredito que a comunicação científica é um tópico fundamental. A meu ver, as campanhas de informação pública, como as que foram realizadas sobre o tabagismo ou outras questões de saúde, são necessárias para explicar às pessoas por que precisamos parar de usar combustíveis fósseis, por que precisamos mudar nossas escolhas econômicas. Isso não é fácil, mas alguns países o fizeram com sucesso, como a Costa Rica.

Hoje há uma demanda real e concreta da população mundial para que a política global se comprometa com a sustentabilidade ambiental. Você vê no futuro uma gestão pública que dará cada vez mais espaço a essas exigências?

Penso que a situação política atual, em nível mundial, é completamente insustentável. Chegamos a um ponto em que a humanidade, mais uma vez, enfrenta uma escolha clara: ou avançamos com uma nova política baseada na interdependência e na reafirmação da dignidade humana ou enfrentaremos décadas de declínio e conflito. Os sinais de fragmentação estão ao nosso redor. É muito difícil ver uma solução “rápida”, dado que as instituições globais criadas para governar, como a ONU, foram seriamente enfraquecidas por países poderosos que optaram por enfraquecê-las. A falta de uma governação global eficaz é o problema mais grave que enfrentamos. Quando isso é agravado pelo aumento da desinformação, pela desigualdade e o autoritarismo, o futuro pode parecer muito sombrio. Não é uma boa trajetória. No entanto, como o Papa Francisco diz, acredito que “as coisas podem mudar”, como ele escreveu na Laudato Si’. Essa mudança pode vir mais rápido do que pensamos se um número suficiente de pessoas – a grande maioria das pessoas que desejam um planeta pacífico, gentil, saudável e bonito para todos – insistir nisso. A mudança, ao longo da história, sempre aconteceu quando as pessoas menos esperavam. Sempre me lembro, aos 18 anos, quando o Muro de Berlim caiu, e o comunismo entrou em colapso. Depois, o apartheid na África do Sul acabou. Essas eram duas mudanças que muitos achavam impossíveis, como muros de concreto. No entanto, o poder das pessoas mudou tudo. As pessoas têm mais poder do que imaginam: podemos retirar nosso dinheiro do que não acreditamos, deixando de investir em indústrias que destroem o planeta! Também podemos boicotar produtos. Podemos votar com as nossas carteiras e com os nossos pés. Isso é o que se faz necessário agora: um vasto movimento planetário.

Quais são os maiores resultados que essa pequena semente, que agora se tornou uma planta robusta, depois de dez anos, obteve com seu empenho, com seu trabalho ao longo do tempo?

Os ventos do Espírito Santo espalharam as sementes da Laudato Si’ por toda parte. Considero que a mudança mais importante seja a mudança no coração de muitas pessoas. Há um reconhecimento muito mais forte, agora, que o cuidado com a Criação – da qual fazemos parte – é um elemento fundamental da fé cristã e de todas as outras religiões. Isso é realmente significativo em nível teológico e tem o poder de transformar a vida dos indivíduos e das comunidades. Essas ondulações são evidentes nas diversas expressões da Laudato Si’, nas campanhas, nas atividades realizadas nas comunidades, nos planos e compromissos assumidos por meio da Plataforma de Ação Laudato Si’. Agora posso ver que esse espírito também se tornou cultura. Isso realmente me entusiasma, já que uma música, um filme, uma obra de arte têm o poder de mover as pessoas em um nível totalmente novo. O filme “A Carta”, que foi criado pelo Movimento Laudato Si’ para levar a mensagem da Laudato Si’ a milhões de pessoas, continua a ser um fenômeno. Ele está sendo incorporado a muitos currículos escolares e universitários e é usado por muitas comunidades, no mundo todo, especialmente durante o Tempo da Criação e a Semana Laudato Si’.

 O que representa a concomitância do décimo aniversário da Laudato Si’ com o atual jubileu? Que sinergia pode haver?

Essa coincidência propiciou a ocasião de lançar a campanha chamada Raising Hope (raisinghope.earth – Aumentando a esperança), que estamos realizando durante todo o ano. Aproveitamos a oportunidade do tema da esperança no Jubileu para nos concentrarmos na esperança para o planeta, na esperança para o futuro. Graças a isso, conseguimos tecer novas parcerias, que ficarão claramente evidentes na maravilhosa conferência que estamos organizando em Castel Gandolfo com o papa Leão XIV.

Qual é o caminho a seguir hoje para continuar a transformar o sonho da ecologia integral em uma realidade cada vez mais concreta?

Creio que o mais importante seja construir a colaboração entre muitos grupos e movimentos diferentes, sabendo que a ecologia não é um tema à parte, mas parte integrante de tudo o que fazemos. Não podemos trabalhar pela unidade sem trabalharmos juntos pela nossa casa comum. Não existe unidade da humanidade se a humanidade estiver “sem casa”! Além disso, o nosso Criador nos deu um solo comum único, uma só terra para caminharmos juntos. Trabalharmos juntos para proteger esse presente maravilhoso é talvez a maneira mais rápida de construir a paz. O diálogo se torna mais simples quando colocamos as mãos na terra, quando plantamos algo bonito juntos. Isso se torna um caminho preferencial rumo a um diálogo da vida no sentido mais pleno: a vida com toda a criação! Desse modo, descobrimos os tesouros que estão presentes em todas as tradições de fé os e aprendemos a compartilhar nossos dons em prol de um grande objetivo comum: proteger a nossa terra sagrada.

Estamos a um mês da COP30, no Brasil. Como os esforços do Movimento Laudato Si’ e o evento do seu 10º aniversário podem se unir à cúpula climática mais importante que existe?

No próximo mês, após a Conferência Raising Hope, dez pessoas do mundo inteiro recolherão os compromissos do Laudato Si’ para levar à COP30. Estamos desempenhando um papel ativo no Global Ethical Stocktake (Balanço Ético Global), que fará parte da conferência em Castel Gandolfo. Queremos garantir que os compromissos do maior número possível de pessoas – de diferentes tradições religiosas – sejam incorporados a esse balanço e cheguem aos líderes no Brasil. Estaremos lá para demonstrar que as pessoas estão observando e pedindo aos governos que adotem medidas corajosas para proteger o futuro.


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